A angustia e o medo da morte

A angustia e o medo da morte

Extraido do livro Quem ama não adoece – Dr. Marco Aurélio Dias da Silva

                Os psicanalistas dizem – e e provável que estejam certos – que o medo da morte e a origem “mãe” de todos os medos. Abstraindo qualquer conotação religiosa, todos nós nascemos e morremos sem saber o porquê. Sentimos, e não e fácil conviver com essa sensação, que não detemos quase nenhum controle sobre a vida. E muito menos sobre a nossa morte, que pode ocorrer a qualquer momento, quando menos a esperamos e de uma maneira que nem sequer imaginamos.

                A insegurança gerada por essa falta de controle, pela sensação de que é algo que foge a nosso alcance compreender quem ou o que “manipula” os cordéis que determina os rumos de nossa vida, e a fonte maior de todos os medos e da tremenda necessidade que temos de amor e aconchego.

                O medo de perder o amor, ou a angustia de não tê-lo, e o principal determinante da ansiedade de todo ser humano. Na infância e até a juventude, esse medo nada tem a ver – no plano consciente – com o medo da morte. Na idade adulta, porem, e em particular a partir da meia-idade, o medo de perder o amor do outro confunde-se com medo da perda da própria vida.

                A noção de que do medo básico e universal da morte advém a necessidade igualmente básica e fundamental de amor nos conduz a uma ilação obvia e, a meu ver, profundamente verdadeira: quem de fato tem o amor convive bem com a própria morte e, a rigor, não a temem. Chegamos, então, a um aparente paradoxo: os que mais amam a vida, as pessoas de fato felizes, são as que menos se preocupam, receiam e angustiam-se com a morte. O paradoxo, entretanto, e apenas aparente, porque, como vimos, amor e aconchego são tudo o que mais queremos da vida e o melhor antídoto contra o medo da morte.

                Na mesma linha de raciocínio, as pessoas que mais se apegam a valores materiais – dinheiro e poder – são em geral as que menos amam e as menos felizes. Tais pessoas tendem a encarar a vida também como sua propriedade, e a morte se lhes afigura como uma violência, uma “apropriação indébita”, uma negação a todo o sentido que deram a vida.

                A perspectiva e a consciência da morte dão a essas pessoas a percepção angustiante de que foi em vão todo o esforço que despenderam para controlar e dominar os outros e a vida. Percebem – no final, e infelizmente apenas no final – que as posições, os bens materiais e tudo o que acumularam se esvaem como “areia por entre os dedos que se fecham, na desesperada e vão tentativa de mantê-los”.

                Há, porém, uma outra razão, embora de bem menos intensidade, para o medo que alimentamos da morte. E o medo do desconhecido, do que haverá depois da morte. É bem verdade que também aqui o medo do desconhecido tem algo a ver com o medo de perder o controle e, portanto, toca nos pontos acima discutidos. Não há dúvida, no entanto, de que não saber pelo que se vai passar e o que se vai encontrar do outro lado e, por si só, motivo de angustia.

                Abstraindo novamente toda conotação religiosa (o que, de fato, e difícil quando se fala da morte), ninguém até hoje “voltou” (e certamente jamais voltara) para dizer como são as coisas do lado de lá. Mas há alguns relatos interessantes de pessoas que sofreram parada cardíaca, isto e, estiveram tecnicamente mortas e foram recuperadas pelos médicos. Ou de pessoas que desmaiaram e recuperaram-se espontaneamente.

                Não temos como saber se as pessoas que passaram por essas experiências vivenciaram coisas sobrenaturais ou imaginarias. Tudo leva a crê, no entanto, que, se a ideia da morte amedronta e angustia, o morrer propriamente dito não parece ser doloroso ou sofrido. Imagino que talvez nem sequer o percebamos, da mesma forma que também não percebamos o exato momento em que adormecemos.